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Saúde
29/11/2025 12:00:00

Aumento global no consumo de alimentos ultraprocessados impulsiona preocupações de saúde pública

Estudo internacional revela que quase 25% da dieta brasileira é composta por produtos altamente industrializados, com crescimento em 91 países

Aumento global no consumo de alimentos ultraprocessados impulsiona preocupações de saúde pública

Agência Brasil

De acordo com uma recente pesquisa liderada por cientistas da Universidade de São Paulo (USP), a proporção de ultraprocessados na alimentação dos brasileiros mais que dobrou desde a década de 1980, passando de 10% para 23%.

Essa descoberta faz parte de uma série de estudos publicados nesta terça-feira (18) na revista Lancet, que evidenciam que esse fenômeno não é exclusivo do Brasil. Dados coletados de 93 nações indicam que o consumo de produtos ultraprocessados aumentou ao longo dos anos em praticamente todos os países analisados, exceto no Reino Unido, onde permaneceu constante em cerca de 50%. Os Estados Unidos se destacam, com mais de 60% da dieta composta por esses alimentos.

Carlos Monteiro, pesquisador do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP e autor principal do relatório, adverte que esse aumento global na ingestão de ultraprocessados está reformulando os padrões alimentares mundialmente, e não é uma coincidência:

“A transformação na maneira como nos alimentamos é impulsionada por grandes corporações multinacionais, que obtêm lucros extraordinários ao priorizar produtos ultraprocessados, apoiadas por estratégias agressivas de marketing e lobby político que dificultam a implementação de políticas públicas voltadas à promoção de uma alimentação saudável.”

Nos últimos trinta anos, países como Espanha e Coreia do Norte passaram a consumir três vezes mais esses alimentos, chegando a índices de aproximadamente 32%. Na China, o percentual saiu de 3,5% para 10,4%, com o consumo de ultraprocessados nas compras familiares. Na Argentina, a alta foi mais moderada, passando de 19% para 29% no mesmo período.

Os estudos enfatizam que esse crescimento aconteceu tanto em países de baixa quanto de alta renda. Nações com maior renda, como o Canadá, apresentam uma taxa de 40%, enquanto países com padrão semelhante, como Itália e Grécia, mantêm a proporção abaixo de 25%.

O relatório ressalta que, apesar de os produtos ultraprocessados terem se popularizado após a Segunda Guerra Mundial em países de alta renda, seu uso se transformou em um fenômeno global a partir da década de 1980, impulsionado pela expansão da globalização. Esse aumento coincide com o crescimento de doenças como obesidade, diabetes tipo 2, câncer colorretal e distúrbios inflamatórios intestinais.

Especialistas alertam que estudos científicos acumulados ao longo do tempo associam dietas ricas nesses produtos a uma ingestão calórica excessiva, baixa qualidade nutricional e maior exposição a aditivos químicos nocivos. Uma revisão sistemática de 104 investigações de longo prazo revelou que 92 dessas estudos indicam um risco elevado de doenças crônicas, incluindo câncer, condições cardiovasculares e metabólicas.

“Todo esse conjunto de evidências reforça que a substituição de dietas tradicionais por ultraprocessados é um fator central no aumento global de doenças relacionadas à alimentação”, ressaltam os pesquisadores. Eles também destacam que novas pesquisas sobre os efeitos na saúde continuarão, mas que isso não deve atrasar a implementação de políticas públicas destinadas a promover o consumo de alimentos integrais e preparo caseiro, já bastante atrasadas.

O conceito de alimentos ultraprocessados ganhou destaque após a elaboração de uma classificação criada por pesquisadores brasileiros em 2009, que divide os alimentos em quatro categorias de acordo com o grau de modificação industrial:

- Alimentos in natura ou minimamente processados, como frutas, legumes, carnes e grãos, que permanecem próximos de sua forma original.


- Ingredientes processados, produzidos a partir de alimentos naturais, usados na preparação de pratos, como óleo de soja, açúcar e sal.
- Alimentos processados, resultantes da adição de ingredientes do grupo anterior ou de métodos similares aos caseiros, como enlatados, macarrão e sucos 100%.
- Produtos ultraprocessados, que combinam ingredientes baratos, geralmente in natura, com aditivos químicos altamente modificados industrialmente. São altamente duráveis, prontos para consumo e extremamente palatáveis, exemplos incluem biscoitos recheados, refrigerantes, macarrão instantâneo e iogurtes saborizados.

Carlos Monteiro, que lidera o estudo, reforça que a classificação visa facilitar a compreensão de como o processamento influencia a qualidade de nossa dieta e saúde, além de orientar a formulação de políticas públicas, como o Guia Alimentar da População Brasileira, já adotado na segunda edição pelo Ministério da Saúde.

Ele evidencia que, há duas décadas, percebeu que o processamento de alimentos mudou de propósito: de preservar os alimentos, passou a criar substitutos baratos, feitos com ingredientes de baixa qualidade e numerosos aditivos, contribuindo para o aumento da obesidade e de doenças associadas.

Para reduzir o consumo de ultraprocessados, os pesquisadores sugerem ações específicas. Entre elas, responsabilizar as grandes empresas pelo papel na promoção de dietas não saudáveis, além de exigir que os ingredientes, como corantes e aromatizantes, sejam claramente sinalizados nas embalagens, assim como o excesso de gordura, sal e açúcar.

Uma medida considerada fundamental é a proibição desses produtos em ambientes públicos, como escolas e hospitais. O Brasil é citado como exemplo positivo devido ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que já vem reduzindo a oferta desses alimentos e estabelecerá que, a partir do próximo ano, 90% dos alimentos nas escolas sejam frescos ou minimamente processados.

Os autores também defendem limites mais rígidos na publicidade, especialmente voltada ao público infantil, e destacam a necessidade de ampliar a oferta de alimentos naturais. Uma estratégia sugerida é aplicar sobretaxas sobre determinados ultraprocessados para financiar alimentos frescos para famílias de baixa renda.

A publicação reforça que o aumento no consumo de ultraprocessados não é resultado apenas de escolhas individuais, mas um efeito das ações de corporações multinacionais. Essas empresas investem em ingredientes de baixo custo, técnicas industriais e marketing agressivo, que influenciam fortemente os hábitos alimentares.

Com vendas globais anuais de US$ 1,9 trilhão, esses produtos representam o segmento mais rentável do setor alimentício. Segundo os pesquisadores, esses lucros fortalecem o poder corporativo, promovendo maior produção, influência política e presença de mercado, o que, por sua vez, molda as dietas em escala mundial.